Código, Genes e Semiose na Biossemiótica
- Ronan Cardoso
- 5 de fev.
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Ronan Silva Cardoso – Pesquisador Independente
Introdução
A Biossemiótica é um campo de estudo interdisciplinar que busca compreender os processos biológicos a partir de uma perspectiva semiótica, ou seja, como sistemas de signos e significados. Ela expande o estudo dos signos, tradicionalmente focado na cultura humana, para todos os sistemas vivos, desde a célula até organismos complexos. A premissa fundamental é que os organismos não são apenas máquinas bioquímicas, mas também agentes interpretativos que interagem com seus ambientes através de signos.
O Gene sob a Perspectiva da Biossemiótica
Na biologia tradicional, o gene é frequentemente visto como um segmento de DNA que contém instruções para a produção de proteínas. A Biossemiótica, no entanto, propõe uma visão mais complexa, considerando o gene como um signo complexo.
The gene is not simply the same as DNA understood as a chemical substance. The gene is a much more complicated notion, as we shall see. We contend that the gene will not be fully understood in biology at the deepest theoretical level unless a profound grasp of semiotics is applied to analyze genes in their function as complex signs for the production of proteins.[1]
O gene não é meramente uma substância química (DNA), mas possui um papel informacional e significativo. Ele atua como um signo potencial para a produção de proteínas. A informação genética não é uma entidade estática contida no DNA, mas sim um processo dinâmico e distribuído que envolve signos, objetos e interpretantes.
The notion of information arising from the biosemiotic analysis presented here suggests that the problem is not really in the notion of information in itself, but rather in the way information has been typically conceived in genetics and molecular biology, namely, in such a way that it was reduced to merely sequential information in a string of DNA. If we consider, as above, that strings of DNA only contain potential genes; that potential information, although arguably carried by stretches of DNA, should be treated as the potentiality of a process; and effective information is a triadic-dependent process including not only Signs in DNA but also Objects and Interpretants, we will be in a much better position to picture information as being fundamentally dynamical and distributed, being related not only to genes but to any structure that can act as a Sign. Maybe, we can even follow Keller (2000: 146) in her suggestion of a cellular program that is not limited to DNA, but is rather a shared program in which all cell components functions alternatively as ‘instructions’ and ‘data’ (or, as we prefer, Signs).[2]
A célula é o sistema que interpreta esses signos genéticos através de processos como transcrição e tradução. Essa interpretação leva à produção de proteínas, que por sua vez atuam como outros signos dentro do sistema biológico.
Nature and culture have been sharply separated in modern thought. A major reason for this is the belief that language and meaning apply to humans and culture, but not to the evolution of species generally. However, recent studies in post-genomic biology on the structure of proteomes, on genetic and metabolic networks, are leading to a new perspective on the nature of the processes involved in reading and expressing the information in the genome. These are beginning to be recognised as having the network properties of a language, so that a reading of the genetic text by an organism is a process that makes meaning of the text through the self-construction of the organism. The members of a species are then participants in a culture with a language. They make meaning of their inherited texts by generating a form (a distinctive morphology and behaviour pattern) that is dependent on both genetic text and external context. This understanding of development and evolution arises from experimental observation and mathematical modelling, and leads to an extended conceptual context for understanding living processes. Biology is finally catching up with Bateson’s (1979) view of organisms and natural creativity, which was that nature and culture are one, a necessary unity, not two.[3]
O Código Genético como um Sistema Semiótico
A descoberta do código genético – o sistema de regras que relaciona sequências de nucleotídeos no DNA (ou RNA) com sequências de aminoácidos nas proteínas – é central para a Biossemiótica. O DNA age como um "livro de regras" que só faz sentido porque as células usam códigos (como o tRNA) para transformar informações brutas (sintaxe) em ações concretas (proteínas). Há um debate se o código genético é um código "real" associado à produção de significado, ou apenas uma metáfora conveniente. A Biossemiótica argumenta que, se a célula interpreta e age com base nesse código, ele possui uma dimensão semiótica inerente.
That the concept of code belongs to semantics is crucial to an adequate understanding of information theory and semiotics in biology. Otherwise, the biosemiotician could not differentiate conceptually between, on the one hand, the replication of DNA and the transcription of DNA into messenger ribonucleic acid (mRNA), and, on the other hand, the translation of mRNA into a sequence of amino acids. Whereas the first two processes are directly copying the syntactic information contained in DNA, the latter process is copying the syntactic information contained in mRNA through semantic relations between mRNA codons and amino acids. These relations are mediated by transfer RNAs (tRNAs) acting as adaptors between mRNAs codons and amino acids (Barbieri 2003: 97ff.). In short, replication and transcription is codeless transmission of syntactic information, and translation is transmission of syntactic information via the genetic code.[4]
A replicação e transcrição do DNA são processos de cópia da informação sintática, enquanto a tradução do mRNA em proteínas envolve relações semânticas mediadas pelo código genético.
A Semiose nos Sistemas Vivos
A semiose é o processo fundamental da ação dos signos, envolvendo, sob a ótica do filósofo Charles S. Peirce, um signo, um objeto e um interpretante (a significação que o signo evoca).
Um signo, ou representâmen, é algo que, sob certo aspecto ou modo, significa algo para alguém. Dirigi-se a alguém, isso é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado, denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de ideia que eu, por vezes, denominei fundamento do representâmen.[5]
A Biossemiótica postula que a semiose ocorre em todos os níveis da vida. A semiose não está restrita à linguagem verbal ou às criações culturais humanas, mas permeia os processos biológicos fundamentais. Alinhada com a filosofia, o estudo e as constatações do biólogo e filósofo estoniano Jakob von Uexküll, a Biossemiótica entende que os organismos percebem elementos do seu ambiente como signos e agem sobre ele, construindo seu mundo-próprio de significados (Umwelt).
Cada sujeito fia as suas correlações como os fios de uma aranha, relativamente a determinadas propriedades das coisas, e tece-as numa sólida teia que suporta a sua existência.[6]
De acordo com Uexküll, este processo de percepção e ação é mediado por ciclos funcionais onde o sentido é produzido.
Como cada ato de comportamento se inicia pela produção de um sinal-perceptivo e termina com a «cunhagem» de um sinal-de-impulso no mesmo objeto significante, é possível falar de um ciclo-de-função que relaciona o objeto significante com o sujeito. Os ciclos-de-função mais importantes, pelo seu significado, que se nos deparam na maior parte dos mundos-próprios são: o ciclo do habitat, o da nutrição, o do inimigo e o do sexo. Graças à sua integração num ciclo-de-função, cada objeto significante torna-se complemento do sujeito animal e por isso certas propriedades individuais, consideradas portadoras de sinais-característicos e efectores desempenham então um papel essencial, enquanto outras, pelo contrário, têm apenas papel secundário.[7]
Além do código genético, a Biossemiótica explora a existência de outros códigos orgânicos que governam interações e significados em sistemas biológicos, como os envolvidos na imunidade celular. A informação biológica é entendida como um processo triádico-dependente (operando conforme a teoria de Peirce), envolvendo signos (como genes), objetos (as entidades que os signos referenciam) e interpretantes (as ações ou significados gerados).
Conclusão
Na Biossemiótica, os genes são considerados signos complexos que carregam potencialidade informacional para a produção de proteínas. O código genético é o sistema de regras semióticas que permite a interpretação desses signos genéticos, traduzindo a informação do nível do DNA/RNA para o nível das proteínas. Essa tradução é um processo semiótico fundamental. A semiose é o processo geral de ação dos signos, do qual a leitura e a expressão da informação genética são um exemplo. A célula, como um sistema semiótico, realiza a semiose ao interpretar os genes através do código genético, resultando na produção de proteínas que, por sua vez, participam de outros processos semióticos dentro do organismo e em suas interações com o ambiente. A Biossemiótica vê os genes como elementos fundamentais em processos semióticos, sendo sua função informacional e significativa mediada pelo código genético, dentro do contexto mais amplo da semiose que caracteriza todos os sistemas vivos. Essa perspectiva oferece uma compreensão mais rica e integrada da biologia, onde significado e interpretação desempenham papéis cruciais.
Referências Bibliográficas
ARTMANN, Stefan. Notas do capítulo 9. In: Introduction to Biosemiotics. Dordrecht: Springer, 2006.
EL-HANI, Charbel Nino; QUEIROZ, João; EMMECHE, Claus; TOROP, Peeter; KULL, Kalevi; SALUPERE, Silvi. Genes, Information, and Semiosis (Tartu Semiotics Library). Tartu: Tartu University Press, 2009.
GOODWIN, Brian. Capítulo 9. In: A Legacy for Living Systems: Gregory Bateson as Precursor to Biosemiotics. Dordrecht: Springer, 2008.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003.
UEXKÜLL, Jakob von. Dos Animais e dos Homens: digressões pelos seus próprios mundos. Doutrina do Significado. Coleção Vida e Cultura, 98. Lisboa: Livros do Brasil.
Notas
[1] No prefácio da obra: Genes, Information, and Semiosis (Tartu Semiotics Library), por Charbel Nino El-Hani, Joao Queiroz, Claus Emmeche, Peeter Torop, Kalevi Kull, Silvi Salupere - Tartu University Press (2009).
[2] Genes, Information, and Semiosis. Tartu Semiotics Library, 2009, p.223.
[3] Brian Goodwin no capítulo 9 da obra: A Legacy for Living Systems - Gregory Bateson as Precursor to Biosemiotics. Springer, 2008, p.145.
[4] Stefan Artmann nas notas do capítulo 9 da obra: Introduction to Biosemiotics. Springer, 2006, p.230.
[5] Charles Sanders Peirce na obra: Semiótica. Perspectiva, 2003, p.46.
[6] Jakob von Uexküll na obra: Dos Animais e dos Homens: digressões pelos seus próprios mundos. Doutrina do Significado. Coleção Vida e Cultura, 98. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, p.42.
[7] Ibidem. P. 148
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