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Biossemiótica: buscando o sentido da vida.

  • Foto do escritor: Ronan Cardoso
    Ronan Cardoso
  • 5 de out. de 2024
  • 3 min de leitura

Ronan Silva Cardoso




Você já reparou que o comportamento da vida em suas variadas formas revela um fenômeno mental elementar que se manifesta em nosso universo? A linguagem da Natureza é eloquente e comunica, a quem se permitir escutá-la, seus segredos, desejos, medos e motivações .


Todos os sistemas vivos são sistemas semióticos, ou seja, são capazes de produzir, interpretar e comunicar significados, dando sentido ao mundo, seja um ser humano ou um simples organismo unicelular. Uma bactéria E. Coli, por exemplo, para tomar decisões e locomover-se em um ambiente, constantemente escaneia esse ambiente, medindo, entre outros sinais químicos e físicos, certas diferenças entre níveis de substâncias potencialmente interessantes (como alimentos) ou nocivas para desenvolver uma resposta comportamental a essas medições.


O mundo é um oceano de misturas no qual um número extraordinariamente enorme de moléculas e partículas permeiam a existência dos seres. Os seres percebem o mundo e se separam dele ao mesmo tempo em que a ele se fundem, convertendo matéria bruta em organismo, natureza em função. Cada espécie é uma amostra das potencialidades semióticas da vida. A partir de suas estruturas biológicas, os seres interpretam o recorte que podem perceber da realidade e realizam no mundo suas existências por meio de uma intrincada operação ininterrupta de signos e significados.


Talvez você se pergunte: mas... O que é signo e o que tem a ver com cognição? É aqui que bio encontra semiótica.


Charles S. Peirce, filósofo e lógico americano, foi um dos principais arquitetos da Semiótica - a ciência que estuda os signos. Em seu trabalho, ele apresentou uma definição esclarecedora acerca do que é um signo, identificando-o como qualquer existente que é capaz de representar algo além de si mesmo, produzindo um efeito determinado. A referência do signo, ou seja, aquilo que ele representa, é identificado como seu objeto e, o impacto que ele produz, como seu interpretante.


Essa perspectiva de Peirce desbloqueia o verdadeiro potencial da semiótica, permitindo-nos ver todos os fenômenos no universo como signos possíveis. Considere uma estrela cintilante no céu noturno, uma palavra cuidadosamente escolhida, uma cor vívida e resplandecente, um símbolo ancestral, uma orgulhosa árvore erguendo-se para o céu, uma molécula imperceptível à vista humana, ou mesmo uma lei inalterável da natureza - todos estes existentes podem servir como signos.


Se, por definição, um signo é qualquer coisa que possua a capacidade de representar outra coisa qualquer, gerando, portanto, como resultado, outro signo: o interpretante; o que Peirce nos ensina é que, ao interagir com a realidade, não somos meros espectadores passivos. Extraímos informações da realidade, absorvendo-as, recriando-as internamente e organizando-as em uma teia complexa de relações significativas. Este processo, este ato de interpretação semiótica, é conhecido como semiose - a matriarca de todas as formas de cognição.


A respiração, por exemplo, vai além de um mero processo químico de oxigenação. Na verdade, ela é uma fascinante metáfora, uma fantasia sobre as possibilidades de existência do indivíduo. Nesta perspectiva, a vida é percebida não apenas como uma série de reações físico-químicas, mas como uma rica experiência de relações e significados corporificada. A Biossemiótica reconhece que tudo o que fazemos, pensamos e sentimos está inextricavelmente entrelaçado com o que percebemos. Este entrelaçamento não acontece em um nível meramente computacional ou algorítmico, mas em um nível profundamente subjetivo e existencial, permeado de manifestações psíquicas. De acordo com o filósofo e biólogo estoniano Jakob von Uexkull, a totalidade de experiências vividas por um ser vivo, dentro de sua singularidade semiótica, pode ser chamada de Umwelt (o mundo próprio).


A Biossemiótica é uma ciência multidisciplinar que estuda a produção e a interpretação de signos no âmbito biológico, e compreende a natureza semiótica da vida por sua capacidade de criar poéticas e novas interpenetrações imaginativas de corpo, experiência e sentido.


Através da Biossemiótica, podemos entender que a nossa participação na realidade não apenas altera o que conhecemos, mas também constrói o que conhecemos. E, embora isso possa parecer problemático à primeira vista, não significa que estamos desconectados do significado da vida. Pelo contrário, indica que estamos em constante diálogo com ela, moldando e sendo moldados por sua contínua revelação no comportamento da natureza do cosmos. Por que olhos? Por que aromas? Por que dedos? Em nosso universo, em nosso planeta, a vida enquanto fenômeno se revela na forma de uma rede de interpretações que corporificaram. Tudo possui um sentido.


A Biossemiótica, embora ainda emergente, deveras, abre uma janela para compreendermos a vida em seus termos mais autênticos e significativos. Seres não são máquinas criadas por genes, seres são entidades autopoiéticas capazes de interpretar uma fração do mundo e desenvolver uma narrativa existencial corporificada, material, poética, para compor uma identidade cujo arranjo molecular e semiótico se desdobra em experiências únicas, subjetivas e objetivas no espaço-tempo.

 
 
 

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© RONAN CARDOSO, 2025  |  Psicologia Junguiana, Biossemiótica e Ecopsicologia
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